Confissão
Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.
Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.
Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!
Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
……………………………………………………..
Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…
Florbela Espanca
No dia 24 de Março de 2007 sai um curioso artigo no Jornal Diário do Sul1 sobre o dia mundial da Poesia. Uma das coisas que nos chama a atenção ao abrir esse jornal é a imagem de Florbela Espanca que, ocupando o centro da página, se destaca logo aos olhos de qualquer leitor. O interessante é perceber que não há sequer uma linha a falar da poetisa alentejana: a imagem de Florbela apenas se configura como uma projeção, um arquétipo, que induz, se não todo o leitor português, pelo menos os leitores alentejanos, ou aqueles que apreciam poesia, a fazerem uma ligação direta de Florbela com poesia. Essa projeção do nome de Florbela e de sua imagem é construída há vários anos, criando “mitos” em torno de seu nome e sua obra. Ou seja, produziu-se uma imagem ilusória de Florbela, sobretudo com a política salazarista e a Igreja,2 que repudiaram sua obra, por causa de uma biografia nada comum para os padrões vigentes. Toda esta problemática gerou, aos críticos, um certo descompasso ao analisar a obra da poetisa, tentando reconstituir a autora a partir de sua obra poética, transformando-a em personagem, por causa da aproximação entre a biografia e a obra. Assim, no dia 8 de dezembro de 1894 nasce Flor Bela Lobo, filha de Antónia da Conceição Lobo. João Maria ainda teve mais um filho com Antónia, Apeles. Mais tarde, Antónia abandona João Maria e os filhos passam a conviver com o pai e sua esposa, que os adotam. Em dois de dezembro de 1930, Florbela encerra seu Diário do Último Ano com a seguinte frase: “… e não haver gestos novos nem palavras novas.” Às duas horas do dia 8 de dezembro – no dia do seu aniversário Florbela D’Alma da Conceição Espanca suicida-se em Matosinhos, ingerindo dois frascos de Veronal. Algumas décadas depois seus restos mortais são transportados para Vila Viçosa, “… a terra alentejana a que entranhadamente quero”.
Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.
Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.
Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!
Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
……………………………………………………..
Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…
Florbela Espanca
No dia 24 de Março de 2007 sai um curioso artigo no Jornal Diário do Sul1 sobre o dia mundial da Poesia. Uma das coisas que nos chama a atenção ao abrir esse jornal é a imagem de Florbela Espanca que, ocupando o centro da página, se destaca logo aos olhos de qualquer leitor. O interessante é perceber que não há sequer uma linha a falar da poetisa alentejana: a imagem de Florbela apenas se configura como uma projeção, um arquétipo, que induz, se não todo o leitor português, pelo menos os leitores alentejanos, ou aqueles que apreciam poesia, a fazerem uma ligação direta de Florbela com poesia. Essa projeção do nome de Florbela e de sua imagem é construída há vários anos, criando “mitos” em torno de seu nome e sua obra. Ou seja, produziu-se uma imagem ilusória de Florbela, sobretudo com a política salazarista e a Igreja,2 que repudiaram sua obra, por causa de uma biografia nada comum para os padrões vigentes. Toda esta problemática gerou, aos críticos, um certo descompasso ao analisar a obra da poetisa, tentando reconstituir a autora a partir de sua obra poética, transformando-a em personagem, por causa da aproximação entre a biografia e a obra. Assim, no dia 8 de dezembro de 1894 nasce Flor Bela Lobo, filha de Antónia da Conceição Lobo. João Maria ainda teve mais um filho com Antónia, Apeles. Mais tarde, Antónia abandona João Maria e os filhos passam a conviver com o pai e sua esposa, que os adotam. Em dois de dezembro de 1930, Florbela encerra seu Diário do Último Ano com a seguinte frase: “… e não haver gestos novos nem palavras novas.” Às duas horas do dia 8 de dezembro – no dia do seu aniversário Florbela D’Alma da Conceição Espanca suicida-se em Matosinhos, ingerindo dois frascos de Veronal. Algumas décadas depois seus restos mortais são transportados para Vila Viçosa, “… a terra alentejana a que entranhadamente quero”.
Rachel,
ResponderExcluirQue maravilha a descoberta de Florbela, quando a li pela primeira vez concebi o seguinte poema:
BELEZA
Olho meu corpo no espelho:
O tom alvo da minha pele
O castanho dos meus olhos
Combinando com meus cabelos
As curvas equilibradas
Num conjunto de delicadeza.
O que é a beleza?
A elegância da forma
Ou a expressão da alma?
O belo contorno do que dizemos
Ou o perfume que desprendemos?
Talvez a beleza
Seja apenas quimera,
Porque perfeição completa
É busca vazia,
Sou imperfeita
E feita de mistério
Talvez desvendar-me
Seja o que há de mais belo...
Vamos difundir Florbela para que ela inspire também nossos alunos!